Ranier Bragon – Folha de S Paulo
Investigação preliminar realizada pela corregedoria do Ministério do Turismo resultou em relatório que aponta suspeita de que o ex-ministro da pasta e hoje secretário do governo João Doria (PSDB), Vinicius Lummertz, tenha participado de ação fraudulenta no apagar das luzes da gestão Michel Temer (MDB).
O relato foi formalizado em despacho assinado em 21 de março deste ano pelo então corregedor da pasta, Nilton Carlos Jacintho Pereira, e obtido pela Folha via Lei de Acesso à Informação.
De acordo com o documento, apurações preliminares da corregedoria confirmaram indícios de “graves condutas” praticadas pela pasta, que resultaram na anulação quase completa de pareceres que visavam recuperar cerca de R$ 20 milhões para os cofres públicos.
O ex-ministro e atual secretário de Turismo de SP, Vinicius Lummertz, durante seminário organizado pela Folha, em São Paulo – Bruno Santos – 15.mar.2018/Folhapress
Conforme a Folha revelou, em outubro do ano passado —três dias antes da eleição de Jair Bolsonaro— o Ministério do Turismo baixou uma portaria criando uma comissão para reavaliar pareceres que reprovavam integral ou parcialmente sete convênios firmados pela pasta entre os anos de 2006 e 2010, no governo Lula (PT).
Nos dois meses seguintes, três servidores designados para a comissão produziram pareceres revisando praticamente todas as conclusões anteriores, reduzindo a determinação de ressarcimento aos cofres públicos de R$ 21,5 milhões (em valores não corrigidos) para apenas R$ 19 mil.
Dois dos convênios foram alvos da Operação Voucher, da Polícia Federal, que em 2011 prendeu 36 pessoas sob suspeita de desvios de recursos do ministério.
O relatório da corregedoria do ministério, obtido agora pela Folha, diz que “os levantamentos realizados confirmam indícios de graves condutas relacionadas à elaboração de pareceres que possibilitariam a desconsideração de débitos que as entidades não obtiveram êxito em comprovar a regular aplicação” dos recursos.
“Nas últimas semanas da gestão encerrada em dezembro de 2018 restou evidenciada a ocorrência de manobras pelas entidades, contando com o apoio de agentes do Ministério do Turismo mediante a criação de uma comissão especial para aprovar alguns convênios”, afirma.
A corregedoria registra que o caso também é de conhecimento do Ministério Público, do TCU (Tribunal de Contas da União) e da CGU (Controladoria-Geral da União). Ela acrescenta: “Sob o aspecto disciplinar, há indícios de que os atos tenham sido adotados com o conhecimento e a orientação do então ministro de Estado e da consultoria jurídica, conforme um dos supostos participantes [que não é identificado] confirmou em sua manifestação à CGU”.
Lummertz foi ministro do Turismo de abril de 2018 até o final do mandato de Temer, em 31 de dezembro daquele ano. Em janeiro deste ano, assumiu a pasta de Turismo de São Paulo, a convite de Doria.
A Folha pediu também via LAI, tanto ao Ministério do Turismo quanto à CGU, a documentação relativa à investigação sobre a comissão especial. Ambos os órgãos disseram que esses documentos estão sob sigilo até a conclusão das apurações.
A portaria que criou a comissão foi assinada pelo então secretário nacional de Qualificação e Promoção do Turismo, Babington dos Santos, conhecido como Bob Santos. Ele continua até hoje com cargo de direção no ministério.
Poucos dias depois da expedição do despacho pela corregedoria, o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, determinou a suspensão dos efeitos da portaria, assim como os resultados produzidos pela comissão especial, até a conclusão da apuração pela CGU.
Entre os principais problemas dos convênios apontados pelos pareceres do ministério, investigações da PF e auditoria da CGU estão superfaturamento, licitações fraudadas, ausência dos serviços prestados e gastos sem relação com os convênios, como notas fiscais de consumo em uma das churrascarias mais caras de Brasília, a Fogo de Chão.
OUTRO LADO
Em nota, Lummertz afirmou que durante sua gestão o Ministério do Turismo foi procurado por representantes de instituições que se sentiram prejudicadas com pareceres de técnicos da pasta.
“Para encaminhar a questão, a Secretaria Nacional de Qualificação e Promoção do Turismo, cumprindo sua obrigação de garantir transparência e justiça, editou portaria instituindo Comissão Especial para que os fatos fossem apurados”, disse.
O Ministério do Turismo, também em nota, disse que conforme informado anteriormente, os efeitos da portaria foram suspensos por Álvaro Antônio e o caso foi enviado para investigação.
“A decisão foi tomada, em abril deste ano, com o objetivo de que o órgão averiguasse as informações prestadas e tomasse as devidas providências.”
As principais parcerias foram firmadas pelo ministério com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e a FBHA (Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação).
As entidades negam irregularidades. A Abrasel, que é a responsável por 5 dos 7 convênios, disse em julho que o pedido de reavaliação se ampara no princípio constitucional do amplo direito de defesa.
A FBHA afirmou que a comissão apenas referendou parecer de aprovação de 2018 que aponta necessidade de o ministério ainda repassar R$ 2,3 milhões à entidade relativos ao convênio, que também foi alvo da sindicância da Operação Voucher.
Também em julho o ex-presidente Michel Temer afirmou, em nota, que a própria leitura da reportagem é suficiente para demonstrar que ele não tinha conhecimento do assunto e “que a decisão de ‘perdoar’ o que fosse (nem sei se isso realmente ocorreu) deu-se em nível de 2° escalão do Ministério do Turismo.”