A invisibilidade dentro do Brasil contrastava com o estrelato no plano internacional. Desde 1986, Chico recebia com frequência, em sua precária casa de madeira em Xapuri, diretores de ONGs ambientalistas da Europa e dos Estados Unidos e correspondentes dos jornais mais influentes do mundo, como o New York Times, que se referia a ele como “Mr. Mendes”.
O mundo já se mostrava incomodado com os desmatamentos e os incêndios na Amazônia, que avançavam com fúria, para abrir terra para criações de gado e plantações. O clichê que mais se ouvia era o de que a floresta precisava ser salva porque era o “pulmão do mundo”.
Ainda não existiam expressões como “desenvolvimento sustentável” e “mudanças climáticas”. Falava-se genericamente em “natureza” e “ecologia”.
A destruição da selva era, na prática, uma política de Estado no Brasil. A ditadura militar havia dado incentivos financeiros para a instalação em massa de fazendeiros na Amazônia. O senador Mário Maia (AC) afirmou:
— Com seu trabalho obstinado e fecundo, Chico Mendes esperava desmentir o discurso ecológico do governo. Na verdade, o que é estimulado é o desmatamento generalizado. Ele presenciou em muitas situações a política do governo protegendo o desmatamento e dando guarida aos matadores de seringueiros.
Numa frente, o governo buscava criar latifúndios que impedissem focos de subversão comunista na mata semelhantes à Guerrilha do Araguaia (1972–1974). Em outra frente, estimulava o povoamento da selva de modo a desarticular uma suposta conspiração externa que tomaria a Amazônia do Brasil, colocando-a sob domínio internacional.
— Que o símbolo de Chico Mendes sirva de alerta e advertência para a nação — discursou o senador Antônio Luiz Maya (TO). — Somos nós, o governo e o povo brasileiro, que temos de cuidar da Amazônia, defendê-la da ganância alheia, preservar suas florestas imensas, sua variedade das espécies vegetais, animais e minerais e sua imensurável bacia hídrica, com enorme potencial de navegação e energia hidráulica.
A primeira providência dos fazendeiros assim que se apossavam da floresta era ligar a motosserra, para desespero dos seringueiros. Além do látex, as famílias dos extrativistas dependiam da castanha, do babaçu, do mel etc. para sobreviver. Em reação, Chico passou a organizar barreiras humanas que, pacificamente, punham-se na frente dos peões contratados pelos fazendeiros e impediam a derrubada da mata.Foi então que Chico Mendes começou a despertar a ira dos latifundiários.
Em 1985, os seringueiros fizeram em Brasília o seu primeiro grande encontro fora da Amazônia para chamar a atenção do governo para o risco que corriam caso as políticas públicas para a floresta não fossem repensadas. O evento ocorreu na Universidade de Brasília (UnB). Foi graças ao evento que ONGs ambientalistas internacionais tomaram conhecimento da existência de Chico Mendes.
— A UnB se orgulha de ter sido a plataforma que ajudou a projetar Chico Mendes no cenário mundial — diz hoje o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que na época era o reitor da universidade.
A aliança que ali se formava mudou radicalmente os destinos das duas partes.
As ONGs europeias e americanas encontraram em Chico o rosto humano que faltava para justificar a preservação do meio ambiente. Até então, elas pregavam a defesa da natureza como um fim em si, sem relação com a vida das pessoas. O ambientalismo, por isso, não empolgava. Para muitos, era um devaneio de hippies que abraçam árvore.
Chico, que vinha lutando apenas para garantir a sobrevivência dos seringueiros, sem ter o meio ambiente como foco, transformou-se num ecologista e passou a contar com a organização profissional, o know-how político e a visibilidade mundial das ONGs.
Os novos aliados levaram Chico Mendes ao exterior para que gritasse contra o desmatamento da Amazônia. Nos Estados Unidos, recebeu um prêmio da ONU e falou no Congresso Nacional. Suas denúncias foram suficientes para que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento parassem de financiar o asfaltamento da BR-364, rodovia que rasga a floresta no Acre. A lista dos que o odiavam aumentou.
Chico Mendes e seus filhos em Xapuri: graças ao apoio de ONGs, seringueiro viajou para o exterior denunciando destruição da Amazônia (foto: Miranda Smith/Miranda Productions)
Os holofotes internacionais, no entanto, não foram suficientes para acender os holofotes nacionais. Só serviram para aumentar a animosidade dos fazendeiros de Xapuri. Em 1988, Chico já era jurado de morte e tinha escolta 24 horas por dia. Na noite de 22 de dezembro, contudo, os policiais militares incumbidos de não desgrudar os olhos dele jogavam dominó dentro da casa do seringueiro e não puderam evitar o assassinato.
— Os criminosos estavam tão seguros de sua impunidade que o mataram a céu aberto e nas barbas da proteção policial oferecida pelo governo do Acre — afirmou o senador Aluizio Bezerra (AC). — A oligarquia sabe que pode matar e que as autoridades não vão impedi-la ou puni-la, já que grande parte delas pertence à mesma classe, a classe dos grandes proprietários de terra.
A repercussão internacional foi forte e imediata. Sacudida pelas notícias publicadas no exterior, a imprensa nacional finalmente se deu conta do valor de Chico Mendes e correu para noticiar o assassinato e apresentar ao Brasil o drama dos seringueiros. O presidente do Senado, Nelson Carneiro (RJ), disse:
— A voz de Chico Mendes foi calada a tiros de escopeta. Embora quase mil pessoas tenham sido assassinadas na região, e os crimes tenham ficado impunes, essa não era uma voz qualquer, pois defendia uma causa justa e universal. É assim que se explica o fato de a morte de um homem simples e humilde lá nos confins do Brasil ter abalado a consciência do mundo. As autoridades brasileiras foram coagidas pelo clamor internacional a sair em busca dos assassinos.
Os dois fazendeiros responsáveis pela morte de Chico Mendes são condenados à prisão em 1990 (foto: reprodução/Mino Pedrosa)
Uma das responsáveis por aproximar Chico das ONGs estrangeiras foi a antropóloga Mary Allegretti. Ela diz que Chico, sem querer, fez uma revolução no mundo.
— Depois vieram a Eco 92, o Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris. O meio ambiente virou prioridade. O mundo passou a se preocupar de fato, criou tecnologias limpas, mudou hábitos de consumo. Pouca gente se dá conta, mas o mundo mudou drasticamente nestes 30 anos. Foi o assassinato de Chico Mendes que abriu caminho para todas essas mudanças.
Entre os legados concretos que Chico Mendes deixou para o Brasil, segundo Mary, destacam-se as reservas extrativistas. Foi pouco depois do assassinato que o governo implantou no país essa área de proteção, que só pode ser explorada pelas populações tradicionais, para sua subsistência. A primeira reserva extrativista foi demarcada em 1990, no entorno de Xapuri, e ganhou o nome de Chico Mendes.
(Fonte: Agência Senado)